sábado, 30 de julho de 2011

Educação em votação

"O homem é o único ser vivo que tem que ser educado."
Immanuel Kant.
Ainda me assusta assistir a reação maciça da população diante da política. Em pleno século XXI e toda sua evolução científica e até mesmo social, ainda agrega valores políticos arcaicos e retrógrados.
É doloroso saber que a compra de votos ainda exista, claro que por parte de uma classe de políticos declaradamente ignóbeis, que se parafraseiam por dolorosa gama pecuniária. Indignificando a categoria sobremaneira, seguindo-se do fato de que a exceção em muitos casos se sobreponha à regra é fato quase certeiro que a exalação dessa leve a um julgamento injurioso da política, que deveria ser encarada como arte e não com tanta lamúria como vem sendo encarada.
Desde os remotos tempos a política era a arte de conquistar, manter e exercer o poder e o governo, noção amplamente dada e exposta por Maquiavel1, que se utilizando de um empírico rompeu com as tradições medievais e abriu caminhos para a visão atual sobre o se fazer política.
Das diferentes formas de governo e de se fazer política adentram-se na competência do cidadão ínfimas oportunidades de inserção efetiva na discussão política. Ainda que surja a mais assombrosa ditadura, o povo ainda é a única composição capaz de reverter ou influir sobre esse sistema.
Só o povo pode legitimamente tomar partido do que quer que lhe compita, só ele pode se levantar contra aqueles que difamam sua nação através da imposição fria da coerção desmesurada. Pressupõe-se como componente do Estado justo o povo, que Estado existirá então para ser subjugado por um infame e caótico líder se não houver povo a ser coagido?
Conforma-se assim o povo com o governo que tem. É ele que ratifica a indiligência sob que vive, dando impulsão as suas ações e estratagemas. Duelando consigo mesmo quando declama ferrenhas críticas ao sistema que o guia socialmente. É o povo que assenta sobre si uma punição ainda que involuntária. Dessa forma conclui-se que invariavelmente o próprio povo assina a sentença de seu destino consentindo com sua hodierna ideologia estatal. “Cada povo tem o governo que merece” 2, seja na sua participação ativa ou na omissão de sua força cidadã.
Porém, para se efetivar tais constatações torna-se necessário um requisito de fundamental importância, a educação. Qualidade não estritamente política, a educação é basilar na edificação da dignidade humana, conjeturando a idealização de sua plenitude como raça racional e realizadora.
Em parâmetros locais, é visível a completa insignificância a culturalização do povo brasileiro, desde o descobrimento que o ‘produto nacional’ é visto com desdém, desde a desmoralização do nativo até a atual política pública, um povo que se auto menospreza. Inferiorizam-se, dia após dia, os próprios compartes a um patamar que não lhes cabe, por excelência o povo deveria ser tratado pelo corpo político com a idolatria de quem o elegeu responsável pela edificação do bem-estar comum àquela peculiar sociedade.
De fato é psicologicamente aterrador aceitar essa metódica visão de controle social, a privação da cultura e do conhecimento em detrimento da aquisição insípida de poder numa sociedade. É não expor à sociedade o saber, o acesso pleno ao conhecimento para assim poder coagi-la a seu bel prazer. Induzi-la a se direcionar, coagi-la a não raciocinar de forma crítica e eficazmente ativa.
Desta feita, a banalização da política em relação à sociedade segue-se de um inconformismo subconsciente, de uma necessidade efervescente de agir, porém sem propriedade de ação, visto que invariavelmente é melhor pro Estado manter seu povo alienado a tudo aquilo que poderia voltar-se contra ele próprio como soberano. A constitucionalização do povo não é interessante, despertaria o interesse público pelos meandros da política, tampouco então a representatividade política que tenha a população diante de seu sistema governamental.
Além de que nosso país sempre viveu reprimido, conhecemos as aspirações da democracia plena e funcional há pouco mais de 20 anos; sofremos assombrosas repressões militares por anos; vimos a censura bater à nossa porta, fechando nossos olhos, calando nossa boca, deportando quem se atrevesse contra o sistema; remontamos no tempo e sofremos as torturas na nossa carne lavrada em sangue; nos guiam numa política de “pão e circo”, alimentando nossa dignidade com remendos porcos da imagem do homem e direitos fragmentados em detrimento dos que tem força monetária.
Historicamente ainda fomos sujeitados ao imperialismo; à colonização que na figura de colonizadores menosprezou o índio e destruiu as riquezas naturais da terra. É fato que o país já sofreu absurdos avanços, porém ainda não se tem consciência da importância mor da educação e disciplina para edificação de uma sociedade eficaz em seus propósitos. Não voltada para a contínua barbárie que domina o Brasil.
Precisamos tirar essa sina individualista que visa o próprio bem estar ao invés de atentar a coletividade, que tenta tirar convenientemente proveito de tudo que está a nossa volta, perder o medo de viver, de avançar sobre aquilo que nos faz mal e destrói nosso futuro. Atentemos a moralidade rigorosa de Kantiii que instaura a visão perfeitamente delimitada do que viria a ser moral ou não, da visualização amplíssima da intenção real do indivíduo a cometer qualquer ato que seja; ou pelo menos a percepção de preocupação com outro, dar atenção as necessidades do coletivo, do próprio indivíduo como ser humano.
Em extremo ápice de ilusão talvez propor uma kantinização dos políticos de nosso país, a ampliar a responsabilidade de uma política limpa de interesses, bem intencionada diante da comunidade. Efetivando em seus planos de governo não aquilo que querem fazer, mas o que a população, única responsável pela aquisição de seus cargos, necessita e clama, daí então comprometimentos palpáveis, não pura divagação entorpecida como hoje se vê claramente.
Volto aqui a questão inicial da compra de votos, o povo não venderia se não vivesse em situações precárias, e principalmente se não tivesse a quem onerar o voto. Ainda que não seja por compensação pecuniária, a visão do povo brasileiro é realmente de uma limitação absurda em relação a política, são votos de agradecimento, reconhecimento, amizade, e tantos outros critérios menos aquele que realmente deveria movimentar a máquina política, a responsabilidade e dedicação social. A vocação de se fazer o bem à coletividade, do carinho com o próximo.
O país precisa se impor e educar seu povo, acatar a disciplina como forma de sucesso e jamais hesitar na luta pelos próprios direitos, cumprindo-se sempre seu dever consigo mesmo e com a sociedade, numa evolução constante da energia que move a intersubjetividade no encontro com o outro.
E só através de uma política consciente e aplicada se instauram requisitos a essa plenitude sociológica. É fazer o povo entender que precisa de comando, mas este dever estar em concernência com a força que move a alma do eleitorado, com seus anseios e avanços sociais.
Não esse levante caótico com clima de campeonato de futebol, diversão já intrincada a alma brasileira, em ares de oba-oba, vestindo a camisa do candidato, tomando-o como ídolo, elevando-o a um pedestal de cristais quebrados; um falso sentimento de orgulho que invariavelmente vem sendo resgatado na intenção difusa de desvio de propósito da política e das eleições democráticas. Que, aliás, não se cumpre tanto assim, visto que a manipulação do eleitorado viola principiologicamente o preceito principal desse regime.
Para a Democracia o que vale é a representatividade do povo, sua impressão na forma que o sistema governamental haja, em que o poder esteja nas mãos dos cidadãos, ainda que indiretamente através da democracia representativa. Seria de bom senso que o plano de governo fosse definido pelo povo, e não pelos candidatos que digladiam na mídia e nos palanques. Afinal, eles estão lá pelo povo e para o povo, não para si mostrarem ou para constituir riquezas.
A política, portanto, é a disputa do poder e o domínio do Estado. E nesse liminar entre Ciência do Estado e Ciência do Poder fica o povo com sua idéia hedionda da política. Policie-se, exerça seu direito com eficácia e seu dever com prudência.
NOTAS DE RODAPÉ E REFERÊNCIAS
1 Nicolau Maquiavel (1469 – 1527), historiador, poeta, diplomata. Reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna, pela simples manobra de escrever sobre o Estado e o governo como realmente são e não como deveriam ser. Os recentes estudos do autor e da sua obra admitem que seu pensamento foi mal interpretado historicamente.
Autor do memorável O Príncipe, defendendo a necessidade do príncipe de basear suas forças em exércitos próprios, não em mercenários e, após tratar do governo propriamente dito e dos motivos por trás da fraqueza dos Estados italianos, conclui a obra fazendo uma exortação a que um novo príncipe conquiste e liberte a Itália.
2 Antonio de Oliveira Salazar (1889 – 1970), estadista, presidente e primeiro-ministro de Portugal. Foi também o ditador que implementou o regime conhecido como Estado Novo.
3 Immanuel Kant (1724 – 1804), filósofo iluminista alemão, fundador da filosofia crítica, através de um pensamento sistemático dividiu a moral do direito, criando a concepção de Lei Moral e Lei Jurídica.  
Revista Jus Vigilantibus, Segunda-feira, 13 de outubro de 2008

 *Sue Ellen Sales

Estudante da Universidade Presidente Antonio Carlos; Estagiária da Defensoria Pública de Minas Gerais 1ª Vara de Família e Sucessões e do Gabinete do Juiz da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora.