terça-feira, 6 de março de 2012

Entendendo a lei "ficha limpa"

 

Vilson Nery e Antônio Cavalcante Filho

Os primeiros objetivos dos que sonham por um mundo administrado pelos probos, muitos dos quais foram promoventes do projeto ficha impa (e que representam a chamada voz rouca das ruas) foram alcançados. A Lei Complementar 135/2010 foi aprovada, sancionada e tem validade imediata espraiando seus efeitos nas eleições deste ano.
Mas afinal, quais são as grandes inovações que a lei impõe ao mundo político? E quais os seus efeitos práticos? Haverá medidas moralizadoras? O que se entende por "vida pregressa" como causa de inelegibilidade como dita o art.16 § 9º da Constituição Federal? Como diria o velho açougueiro escolhendo as peças para a feijoada, vamos por partes!
Por vida pregressa como forma de proteger a probidade administrativa a Cnstituição Federal entende que são as credenciais, recomendações, experiências, aprovações e rejeições de contas dos órgãos de fiscalização (auditorias, controle externo e tribunais de contas) as quais ostenta o pretendente a um cargo eletivo.
Entende a Constituição que não se deve permitir que alguém seja eleito para gerir os negócios do Estado se foi condenado por improbidade, teve contas de governo rejeitadas, foi ineficiente e ineficaz no trato da ‘res publica’. Em suma, tem que ser honesto e competente.
Outro aspecto, este mais ligado às práticas criminosas: o cargo eletivo deixa de ser ‘esconderijo’ para bandido que cometeu crime comum, que usa do cargo para obter benefícios, tais como a suspensão do curso (andamento) dos processos e o foro (excessivamente) privilegiado. A imunidade material e formal do político visa proteger a justa defesa dos interesses difusos, do povo, e não de organizações criminosas. Pois bem.
E o que se entende por processo transitado em julgado? É aquele em que não se caiba mais recurso. E a presunção de inocência? Ora, ela se aplica ao Direito Penal. O sujeito não pode ir pra cadeia se não foram esgotados os meios de defesa e recursos processuais, embora isso (pelo que se observa) não valha para os pobres, que lotam nossas cadeias. Muitos são inocentes mas não podem pagar advogado ou ter acesso a um defensor público. O Mutirão Carcerário do Conselho Nacional de Justiça liberou 20 mil deles (fonte: http://www2.forumseguranca.org.br/node/23053) do cárcere indevido.
Voltemos ao assunto. Porém, no caso do Direito Tributário, o contribuinte precisa pagar e depois contestar (impugnar) o tributo; no Direito Ambiental milita o principio da prevenção e da precaução. Primeiro se pune o possível ou provável poluidor, para só depois aferir o dano e a culpa; no Direito Administrativo é possível afastar o servidor acusado de irregularidade, independente de culpa comprovada. Enfim, do mesmo modo, no Direito Eleitoral, para fins de registro de candidatura, o bem jurídico que merece proteção é a probidade e a eficiência no exercício do cargo eletivo, a permitir a ‘degola’ dos fichas sujas.
Outro aspecto que merecerá atenção. O pretendente a um cargo que tenha uma condenação em órgão colegiado (Tribunal de Justiça, TRE, Tribunal do Júri, Tribunal de Contas) que ainda não tenha transitado em julgado, também é atingido pela assepsia do ficha limpa. Mas a lei permite que o pretendente obtenha uma decisão liminar para registrar precariamente sua candidatura. E o art. 26 C da Lei 64/90, outra criação do ficha limpa, obriga que todos os tribunais julguem de imediato os recursos pendentes daquela pessoa. É um gatilho contra o político que responde a processos, disparando o julgamento dos processos pendentes em que ele seja parte.
Agora perguntamos: o sujeito contrata batalhões de advogados, ingressa com recursos diversos pra "enrolar" o andamento dos processos, buscando a prescrição da pena, vai de uma hora pra outra autorizar o julgamento de todos os processos contra ele? Não é crível.
Por derradeiro, embora o TSE já tenha decidido que a sentença “os que forem condenados” se refere aos que "foram", aos que "são" e aos que "serão" condenados (a sofrer os efeitos da lei complementar 135), recordemos a frase de Duque de Caxias, lembrada por Dalmo de Abreu Dallari: "Os que forem brasileiros me sigam"." Essa exortação ao heroísmo, atribuída ao Duque de Caxias, evidentemente não se referia àqueles que, no futuro, se tornassem brasileiros, mas era dirigida aos que naquele momento tivessem a condição de brasileiros autênticos e que deveriam agir como tais.
Vilson Nery e Antonio Cavalcante Filho são militantes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE)

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